Limitando o Trabalho em Andamento

Limite de trabalho em andamento

Limitar o trabalho em andamento (work in progress ou WIP, em inglês) é um recurso característico do Kanban – é de suprema importância para o método funcionar tão bem. À primeira vista, pode parecer contraproducente. Você está dizendo para as pessoas trabalharem menos? Não – limitar o WIP não significa limitar o trabalho em si, mas sim limitar quantas tarefas podem ser iniciadas ao mesmo tempo.

O que é trabalho em andamento (WIP)?

O Kanban originou-se na indústria. Tipicamente, as indústrias mantêm um inventário de produção: uma lista dos níveis de materiais e suprimentos em estoque para uso no processo. Normalmente, existem três tipos de inventário:

  • Matérias-primas: materiais de produção e que não foram trabalhados ainda.
  • Trabalho em andamento: materiais que foram trabalhados parcialmente, também chamados de produtos semiacabados.
  • Produtos acabados: materiais cujo trabalho foi completado e estão prontos para serem comercializados.

Por que limitar o WIP é considerado algo bom, deveria ser?

O principal motivo para os limites de WIP terem um impacto positivo no fluxo de trabalho é acelerarem a conclusão das tarefas – reduzem o tempo de espera (lead time) e o de ciclo (cycle time), por diversos fatores. Mas um dos motivos fundamentais está relacionado à contabilidade, como você pode ver no exemplo a seguir.

Exemplo Vamos considerar os limites de trabalho em andamento para uma pequena desenvolvedora de software: uma equipe de quatro pessoas recebe requisitos do cliente ou histórias de usuário, descreve e valida o design, escreve o código, testa e implanta as funcionalidades no cliente para uso. Normalmente, ela libera 20 histórias por mês. Porém, além das 20 funcionalidades desenvolvidas, cerca de 10 itens permanecem parcialmente desenvolvidos, em vários estágios de progresso.

Apesar desses itens inacabados não possam ser entregues, a contabilidade da empresa não pode simplesmente descartá-los ou ignorá-los, pois não seria uma representação realista do trabalho feito durante o mês. Assim, os contadores aceitam os itens inacabados como uma espécie de ativo e a empresa banca isso como algo positivo. Percebemos como isso pode fazer sentido.

Os empresários, às vezes, acham que quanto mais WIP tiverem, melhor. Acreditam que é apenas uma questão de tempo até vendê-lo, por isso reconhecem acertadamente o trabalho inacabado como um ativo. Mas o que acontece quando o tempo do trabalho em andamento prolonga-se mais e mais? E se ocorrerem problemas em funcionalidades específicas, durante sua operação ou integração ao produto e tais itens de WIP nunca forem entregues – ainda faz sentido considerá-los ativos? Estão agregando valor à desenvolvedora de software?

Provavelmente você já ouviu alguém falar que o “dinheiro é quem manda” – algo que tende a ser verdade. As empresas podem falir por baixo fluxo de caixa. Nem sempre é importante quantos ativos uma empresa possui, se não puder convertê-los em dinheiro quando necessário. Ela irá falir e todos os ativos serão perdidos ou vendidos muito abaixo do que valem. Esse é o problema com o trabalho em andamento. Uma coisa é a empresa reconhecer o WIP como ativo, outra é ela conseguir comercializá-lo, o que não é a realidade de tais objetos. Ninguém vai querer comprar um trecho de código funcionando pela metade, e se alguém o quiser, provavelmente pagará muito menos que o preço do produto finalizado.

Eli Goldratt, um bem-sucedido empresário e guru de gerenciamento, argumentou que o trabalho em andamento não deve ser considerado um ativo, mas sim uma despesa. Ele alega que ninguém abre um negócio na esperança de apenas “ficar ocupado” – as empresas precisam gerar lucro. A única maneira de gerar lucro é vendendo seu produto e seu custo de produção precisa ser menor que o total em vendas. Goldratt é o criador de um conceito conhecido como Contabilidade de Ganhos.

O conceito destaca a taxa de produção ou throughput (a velocidade com que um item pode ser produzido e entregue), os estoques e as despesas operacionais como as três principais métricas de restrição da produtividade. Ele formalizou seus pensamentos no livro “The Goal” e, posteriormente, em um sistema chamado Teoria das Restrições. As empresas que implementaram tal sistema experimentaram melhorias notáveis nos resultados.

Por que limitamos o trabalho em andamento?

1. Para estimular a cultura de terminar o trabalho, reduzir o tempo para comercialização e minimizar riscos

Seu lucro está nos produtos acabados, não no WIP. E se você administra um negócio com pouco dinheiro, irá preferir ter 30 itens pela metade ou 10 prontos para vender? É sempre melhor se concentrar em concluir 10 histórias de usuário e entregá-las. É justamente o que limitar o trabalho em andamento ajuda a alcançar. Se uma empresa só consegue vender 10 itens por mês, não faz sentido trabalhar em 30. No caso, a limitação de WIP focaria em terminar esses 10 itens. Portanto, se você limitar o WIP, poderá se concentrar em concluir o trabalho iniciado e quanto mais cedo você puder terminá-lo, mais cedo poderá entregá-lo ao cliente – e monetizá-lo.

Com relação aos limites de trabalho em andamento impactar a redução de riscos de um projeto, imagine que, se diversos itens estiverem em andamento ao mesmo tempo, seria impossível testar a compatibilidade deles com o produto funcional, ou mesmo entre si. Portanto, há um alto risco da equipe precisar retrabalhar todos os novos componentes, ao invés de simplesmente testar e integrar o item recém-concluído com o produto acabado.

Além disso, o WIP limitado também facilita um eventual trabalho urgente e potencialmente pode torná-lo uma ocorrência menos comum! Quando aparecer um problema, uma equipe trabalhando em três funcionalidades irá pausá-las e resolver o problema. Assim apenas três tarefas sofrerão um leve atraso. Se a equipe tivesse 20 itens em andamento, todos os 20 teriam sido pausados e atrasados. E quanto mais itens atrasados uma lista tiver, maiores as chances de partes interessadas apressarem mais trabalho, para que ao menos um item fique pronto logo, em vez de ficar esperando. Portanto, é de longe preferível focar-se em manter tempos de ciclo curtos, entregas frequentes e rápidas e apressar menos tarefas o quanto possível. Essa abordagem – verdadeiramente ágil – deixará seu fluxo de trabalho sustentável e responsivo a mudanças.

2. Para minimizar multitarefa, caos, ociosidade e reuniões

Limitar o trabalho em andamento elimina ruídos e ajuda a gerenciar o caos. Se eu jogasse uma bola em você, você pegaria facilmente. Se eu jogasse outra logo em seguida, você também a pegaria. Se eu jogasse duas bolas em você, ao mesmo tempo, bem, possivelmente você pagaria ambas ou deixaria cair ambas. Mas e se eu jogasse 10 bolas em você ao mesmo tempo? Muito provavelmente você deixaria cair todas elas – caos. Pelo mesmo motivo, a multitarefa é uma ilusão – você pode ou trabalhar em um ou dois itens e terminá-los rapidamente ou trabalhar em 10 itens e não ter nada para mostrar, em outras palavras: pegue duas bolas ou deixe cair 10.

Limitando o WIP, você estará dificultando a multitarefa de dar as caras, tanto em nível individual, quanto em nível de foco combinado da equipe. E deveria ser muito fácil de entender porque manter o foco regular em uma tarefa, em vez de fazer um rodízio entre quatro delas, significa melhor qualidade geral do trabalho. Configurar um Quadro Kanban com limites de WIP também tende a reduzir a ociosidade dos funcionários – contanto que sempre tenha itens suficiente no backlog para todos os membros disponíveis da equipe.

Outro aspecto da limitação de trabalho em andamento é a possibilidade de se lidar com o número de projetos diferentes em que a empresa toda está trabalhando, embora mantendo o controle sobre quantos projetos cada equipe pode ter por vez. Através dessas restrições em múltiplos níveis, você pode assegurar que os gerentes saibam quanto trabalho podem executar e, caso mais trabalho for adicionado, quais outros projetos podem sofrer algum impacto. Atrelado ao número limitado de projetos do momento está o fato de que tanto quanto menos fatias da torta cada trabalhador tiver em mãos, menos reuniões precisarão participar, ou seja, outra redução de desperdício para você! Acrescente o fato da própria natureza visual dos Quadros Kanban diminuir a importância das reuniões de acompanhamento – uma vez que tudo o que você precisa saber sobre determinado projeto já está no quadro – e uma ou duas reuniões mensais deverão bastar para você tocar o trabalho.

3. Para maximizar a taxa de produção, realize um projeto puxado verdadeiro e reduza o tamanho dos lotes

Por começar a trabalhar apenas no que pode ser concluído, você garante que o processo execute com sua taxa de produção material máxima. Isso significa menos desperdício e mais vendas. Além disso, ao forçar a equipe a não iniciar um novo trabalho enquanto itens anteriores ainda estão em andamento, você estará implementando um processo puxado verdadeiro: não empurrando trabalho para dentro do processo, independentemente de poder ser realizado ou não, mas permitindo que a equipe “puxe” novo trabalho quando estiver pronta para isso.

Maximizar o fluxo visivelmente reduzirá o tempo de ciclo – o tempo que leva para um item ir de “iniciado” para “concluído”, o que, novamente, ajudará você a entregar novas iterações regularmente.

Limitar o trabalho em andamento pode ser de grande ajuda ao reduzir o lote de produtos ou o tamanho do sprint, pois quando as equipes decidem trabalhar em não mais do que, digamos, uma tarefa por pessoa por vez, isso permite que o gerente de projetos não precise planejar para mais do que um número estipulado de tarefas por lote ou sprint. É claro, nem sempre precisa funcionar assim, além do mais, limites de WIP por si só não garantem lotes menores, mas ajudam a mantê-los pequenos.

Usando limites de WIP para identificar gargalos

Apesar de ser ótimo limitarmos o trabalho em andamento, se aplicarmos os limites de WIP por todo o processo, vários problemas podem ocorrer. Aplicar um limite no lugar errado pode levar a desperdício generalizado. Se o gerente limitar o trabalho em andamento de forma incorreta, pode levar a empresa a produzir menos itens do que é capaz. O que também seria um desperdício e algo que Taiichi Ōno desaprovaria. Então como identificamos onde no processo o WIP deveria ser limitado?

Decidindo o limite de WIP correto identificando o verdadeiro gargalo

Exemplo

Quatro pessoas trabalham em uma equipe de desenvolvimento de software:

  • João termina as histórias de usuário do cliente, idealizando-as como funcionalidades.
  • Antônio e Alice escrevem o código.
  • Pedro testa o código e aprova-o quando completo.

João escolhe e entrega 10 histórias de usuário por semana. Geralmente, Antônio e Alice podem programar 8 histórias por semana e Pedro consegue testar cerca de 6 itens por semana. Isso mostra que a equipe pode entregar 6 funcionalidades por semana, esta é a sua taxa de produção.

Porém, se ordenarem para a equipe trabalhar na sua capacidade máxima, qual seria a situação ao término da semana? Presumimos que cada membro da equipe tenha tarefas suficientes para começar a trabalhar desde o início. Vejamos como isso poderia acabar:

Identificando o verdadeiro gargalo – um exemplo de limite de WIP

Lembre-se, o WIP é um item de inventário. Notamos grandes pilhas de cartões nas etapas de verificação das histórias de usuário e codificação. Por que os itens estão empilhando ali? Por que o testador é o gargalo, a restrição do processo, capaz de completar apenas 6 entregas verificadas por semana.

O que um gerente ágil deveria fazer aqui seria limitar o time de codificação a produzir não mais do que 6 itens por semana, uma vez que qualquer coisa a mais seria um desperdício, pois o testador não daria conta do ritmo. Potencialmente, o que poderia acontecer seria João, Antônio e Alice ajudar Pedro com os testes, após concluírem suas próprias tarefas. Subitamente a empresa entregaria mais de 6 itens por semana e o engajamento dos funcionários melhoraria junto com a taxa de produção.

Como aplicar um limite de WIP?

Resumidamente, para aplicar um limite de trabalho em andamento ao seu processo, você precisa analisá-lo e encontrar a engrenagem mais lenta da máquina.

Passo 1: Examine seu processo e identifique os gargalos

Para começar, simplesmente caminhe pelo escritório ou chão de fábrica. Procure por colaboradores sobrecarregados e com muito inventário em suas mesas ou quadros visuais. É assim que você encontrará seus gargalos!

Passo 2: Iguale o limite de WIP à capacidade da etapa mais lenta do processo

Vá conversar com a equipe trabalhando na etapa gargalo e veja como você pode limitar o trabalho dela. Isso ajudará toda a empresa a trabalhar mais rápido e seus funcionários vão adorar você!

Passo 3: Analise periodicamente o fluxo com os limites de WIP aplicados

Na medida em que seu processo altera ou a equipe aumenta, diminui ou muda – o limite de WIP aplicado pode precisar de ajuste. Fique de olho nele, visando manter taxas de produção ideais.

Resumindo

Limitar o trabalho em andamento é um conceito tão simples quanto eficiente. Considere experimentá-lo com a sua equipe – ou no seu fluxo de trabalho pessoal mesmo – e você verá com os seus próprios olhos. Resumindo, ao limitar em quantas coisas trabalha em dado momento, potencialmente você verá os seguintes benefícios:

  • Conclusão mais rápida das tarefas – tempos de espera e de ciclo reduzidos, taxa de produção maximizada
  • Taxas de entrega de produtos mais rápidas e sustentáveis
  • Riscos de projeto reduzidos e identificação de gargalos mais rápida
  • Menos multitarefa, menos ociosidade de funcionários
  • Lotes de tamanhos menores, menos reuniões e melhor controle sobre todos os projetos da organização